Relevância
da Moda afro-brasileira
Quando se observa
a moda contemporânea tem sido visível no processo criativo dos designers, uma
busca de referências em diversos grupos étnicos representados em forma de estampas ou de réplicas de vestimentas que, ao
serem utilizadas, fazem com que o sujeito se identifique, e busque uma forma de
interagir com determinada cultura. As peças
desenvolvidas, embora possam estar vinculadas ao passado, ganham novos sentidos
através do olhar do designer e dos consumidores do presente. O uso de roupas que trazem elementos de outras
culturas e de outras épocas representa uma parte da identidade do indivíduo, ou
seja, o sujeito se reconhece, pelo menos no momento em que escolhe aquela
vestimenta, como pertencente a uma realidade muitas vezes não vivida por ele,
mas que ele compartilha através do uso de alguma peça, afirmando dessa forma
sua criatividade e individualidade ou até mesmo sinalizando uma associação ou
posição dentro de um grupo ou cultura.
Compreende-se,
assim, que a moda enquanto fenômeno social, econômico, cultural, e
comportamental de produção simbólica, é uma ferramenta importante para a
construção de nossa identidade e se torna cada vez mais presente no cotidiano
das sociedades modernas, interferindo, transformando e remodelando-as. No que
se refere à moda como meio de construção da identidade, Cidreira (2005) em sua
obra “Os sentidos da moda”, afirma que a moda dá conta de certa estruturação simbólica
própria de uma determinada cultura. Se fazemos de nosso corpo uma auto-imagem,
significa que, ao vestirmo-nos, estamos contando uma história: de onde viemos
(ou gostaríamos de vir) e para onde vamos (ou gostaríamos de ir). É essa
história que contamos através de nosso corpo que o torna mediador entre o
físico e o social e que configura nossa inscrição em uma determinada cultura.
Logo, no design de moda quando se busca referências da ancestralidade e se
explora, por exemplo, temas africanos que remetem a afirmação dos valores da cultura afro-brasileira ocorrem um processo de transmissão de informações e de
conseqüente identificação entre grupos, e o vestuário acaba sendo um
instrumento de significações e comunicação entre culturas e grupos sociais.
Nessa perspectiva a moda afro-brasileira tem
relevância pelo fato de dar a oportunidade ao designer de
se desvincular dos padrões estabelecidos pela moda, ou seja, o criador das
peças e dos adornos acaba por produzir alternativas ao coletivo com
possibilidades de mais ousadia por se pautarem em questões que não se limitam
somente ao universo das tendências e se destaca pela busca da identidade em
contextos legítimos da sua cultura, na contramão das tendências hoje
globalizadas. Dessa forma, ele se torna capaz de propor produtos que não são
tão previsíveis, interferindo em nossa subjetividade de uma maneira inovadora,
já que oferece novas soluções que escapam daquilo que já está saturado. E as pessoas
que consomem esses produtos, por sua vez, enxergam nessas peças um referencial
e se identificam.
É importante
ressaltar que a moda afro-brasileira embora seja influenciada por referências
da matriz africana, apresenta em sua produção elementos contemporâneos, visto
que não se trata de uma moda folclórica. No desenvolvimento dos produtos, a
África torna-se referência para a concepção das peças, porém ainda que os designers se movam a partir
das referências africanas, no seu processo criativo e na formulação dos seus
objetos o olhar se volta para o cotidiano.
Nesse sentido o que se observa é que a moda afro-brasileira precisa
saber respeitar suas referências, porém, modernizando seus conceitos, ou seja, oferecendo
produtos que valorizem tanto os aspectos estéticos como funcionais, dialogando
com a matriz africana, todavia apresentando elementos enriquecidos e
transformados pelo contato direto com a cultura brasileira , que se adequem aos
diversos ambientes sociais e seja voltada para pessoas que admiram, respeitam e
se identificam com a cultura afro-brasileira.
A partir dessa discussão fica clara a idéia
de que moda não é simples vestimenta, ela expressa valores, hábitos, costumes,
tanto coletivos, quanto individuais. Ela não é feita só pelo grupo social em
que está inserida, nem apenas por um único indivíduo, sem nenhuma influência; não
é apenas de quem criou e nem só de quem usa e transforma as peças. A moda é prática coletiva com dimensão subjetiva. Com
isso a roupa vai além do sentido de cobrir e proteger o corpo, criando um
mundo de imagens e significados visuais, dando a possibilidade
do sujeito criar a si próprio ou construir novas identidades.Segundo Marie
Louise Nery, em seu livro - A Evolução da Indumentária: “Todo homem, selvagem
ou civilizado, possui uma alma coletiva na qual repousam todas as formas de
arte, recebendo influências também na cultura de outros povos, que se reflete
no modo de vestir” (NERY, 2007) ,ou seja, a roupa se aproxima da necessidade de
conformação da identidade, em um movimento que privilegia de certa forma a
individualidade, mas é também capaz de promover o pertencimento a um
determinado grupo.
Em linhas gerais, é
com o olhar voltado para a construção de significados e sentidos em torno da
diversidade cultural apresentados pela moda afro-brasileira que se deve
discutir e compreender a sua representatividade com o intuito de perceber e
valorizar a influência da cultura da matriz africana em nossa sociedade, favorecendo
dessa forma, a constatação de que observando mais de perto essa cultura é
possível desenvolver uma moda contemporânea, rica e com grande personalidade. Nesse
sentido, é importante ressaltar que os profissionais envolvidos na concepção e
desenvolvimento de peças com inspiração afro-brasileira devem levar em conta
que mesmo sendo produtores estão inseridos na sociedade, e como seres sociais,
precisam interagir, refletir, interpretar, participar das transformações,
propor novos olhares além de compartilhar suas experiências com outros
produtores, cada qual com sua própria forma de produzir e contribuir com a
renovação e transformação da sociedade.
CLAUDIA TRINDADE –
Publicitária, Mestranda em Desenho, Cultura e
Interatividade. UEFS/BA
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CIDREIRA, Renata
Pitombo. Os sentidos da moda: vestuário, comunicação e cultura. São
Paulo: Annablume, 2005.
NERY, Marie
Louise. A Evolução da Indumentária: subsídios para a criação de figurino.
Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2007.
HOLANDA, S. B. Raízes do Brasil, São Paulo: Companhia das Letras,
1995, edição 26.
VALENTE, A. L. E. F. Ser negro no Brasil hoje, São Paulo: Editora
Moderna, 1991, edição 8.
1 comentários
Muito bom!Claudia Trindade fala sobre algo muito importante ,quando se pensa em moda afro-brasileira.Os idealizadores e empreendedores dessa moda tem de se dar conta da importância da reflexão e da informação sobre o tema e super valorizar a partilha entre criadores. Novas ideias surgirão e, aos poucos,o resultado começará a ultrapassar os limites da moda se estendendo à sociedade brasileira,vítima de seus próprios preconceitos.
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