‘Consumo étnico’ aquece negócios entre empreendedores negros
2 de abril de 2014 | 17h29
Redação
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Cris Olivette
A fundadora da Cia. das Tranças, Chris Oliveira, era produtora de moda antes de criar um salão especializado em cabelo de pessoas negras. “Não gostava do atendimento que recebia nos salões e passei a cuidar sozinha de meu cabelo.”
O resultado foi tão bom que as pessoas começaram a elogiar e a perguntar quem cuidava de seus cachos. “No início, fiz alguns cabelos por hobby. Nesse processo, vi que muitas pessoas tinham a mesma infelicidade que eu, por não encontrar bons salões. Usei as críticas a meu favor e criei um salão como sempre sonhei encontrar.”
Após 12 anos, Chris comanda uma equipe com 13 profissionais. “Há dois anos cuido só da gestão da empresa, e tem sido ótimo porque nesse período o negócio cresceu 50%.” Ela diz que 80% de seu público é de mulheres. “Em relação a dreads e tranças, tenho um público masculino forte.” Chris diz que não são só negros que buscam penteados afro. “Recebemos japonesas, loiras, mas é claro que negros representam 80%.”
A atividade de Chris, engrossa o estudo que aponta crescimento de 29% no empreendedorismo entre negros, ocorrido em uma década. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra em Domicílios (PNAD), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que considerou o período entre 2001 a 2011. Segundo o estudo, o empreendedorismo entre negros passou de 43% para 49%.
O consultor de marketing do Sebrae-SP Marcelo Sinelli pondera, entretanto, que o que cresceu muito, na verdade, foi o número de pessoas que se declaram negras. “Para o IBGE, o critério que define se uma pessoa é negra ou não é a autodeclaração. É provável, que muitos já fossem empreendedores, mas não se declaravam negros.”
Sinelli diz que as transformações ocorridas na sociedade brasileira nos últimos 20 anos contribuíram para a mudança de postura. “Está tudo atrelado. O crescimento do orgulho de ser negro, a ascensão social das classes C e D, e o aumento do acesso à informação abriram uma série de oportunidades, estimulando negócios específicos, que podemos chamar de consumo étnico.”
A sócia da Xongani, Ana Paula Xongani (foto na capa), está entre os que privilegiam o consumo étnico. “Assim como outros negócios voltados ao público negro, a Xongani nasceu para cobrir uma lacuna. Não havia no mercado acessórios que valorizassem a cultura africana.”
Cristina, sócia e mãe de Ana Paula, afirma que a profissionalização da marca veio a partir da demanda. “Tudo foi concebido para atender as necessidades das mulheres da família. Com o tempo, recebemos encomendas e o negócio cresceu.”
Hoje, após quatro anos de mercado, a Xongani produz 26 itens como sapatilhas, brincos, pulseiras e turbantes. “No ano passado, lançamos nosso primeiro modelo de vestido de noiva afro-brasileira. Nosso principal diferencial está nos tecidos, importados da África”, diz Ana.
Além de vender pelo e-commerce, a marca vai aonde o publico está. “Participamos de grandes eventos realizados em todo o País como o Congresso Brasileiro de Pesquisadores Negros, Feira Preta, Afrolatinidades, Rua do Samba, Festa de São Benedito e Feijoada da Mãe Preta. Também visitamos eventos na periferia de São Paulo.”
Uma das precursoras desse movimento de valorização de produtos específicos para a população negra foi a fundadora da Muene Cosméticos, Maria do Carmo Valério, de 81 anos. “Foi muito difícil ajustar as fórmulas porque o Ph da pele negra é diferente. Tive de mudar várias vezes de químico.” No mercado há 25 anos, a Muene comercializa 121 itens, tendo como carro-chefe o pancake, com nove tonalidades.
Antes de fundar a agência HDA Model, Helder Dias Araújo era professor de passarela e coreógrafo na Bahia. “Vim para São Paulo praticamente sem dinheiro. Trabalhei três anos em uma agência. Quando ela fechou, vi que não havia na cidade uma agência especializada em modelos negros. Agarrei essa oportunidade. Hoje, 14 anos depois, capacito e formo profissionais. Nosso book contém mais de 200 modelos.”
Ele conta que o curso de modelo tem 33 matérias como etiqueta, teatro, passarela, nutrição, maquiagem e postura. “Na metade do curso, que dura seis meses, eles participam de uma banca que avalia quem está tendo um bom aproveitamento e deve concluir a formação.”
Helder afirma que os aspirantes a modelo passam por avaliação e são indagados sobre os estudos. “É fundamental que o modelo continue estudando. Essa carreira é efêmera e muitas vezes ingrata. Eles precisam ter os pés no chão.”
O empresário diz que o mercado para modelos negros está crescendo. “Mas acredito que não foi o mercado que se abriu e sim, foi o negro que se conscientizou e está buscando seu espaço. Os negros perceberam, enfim, que a grande ferramenta é a educação, com ela é possível ir aonde quiser.”
Militância empreendedora impulsiona negócios
Formada em gestão de eventos e com especialização em arte e cultura, Adriana Barbosa é uma empreendedora engajada. Desde 2002, realiza anualmente a Feira Preta. “Criei a feira pela necessidade de haver um evento com esse recorte racial de segmentação, levando em conta não apenas o viés da militância mas sobretudo pela oportunidade de negócio. Não existia nenhuma feira com essa abordagem que reunisse produtos e cultura”, afirma.
Adriana conta que o evento começou com 40 expositores e hoje são 100 participantes de todo o País. “Em 2005, criei o Instituto Feira Preta que organiza ações culturais, festival de música, seminário de boas práticas em economia criativa e o curso Preta Qualifica, que capacita empreendedores que participam da feira, em áreas como formulação de preços e atendimento ao público.”
O treinamento é feito em parceria com o Sebrae. Mas o instituto também organiza capacitação ligada à área de cultura, que aborda assuntos como elaboração de projetos, captação de recursos e estratégia de comunicação. “O objetivo é dar aos artistas um olhar de gestão sobre sua própria obra.”
Segundo Adriana, existe um potencial grande a ser explorado nesse nicho. “A preocupação é saber se quem produz compreende as particularidades desse público, cada vez mais exigente, e se tem escala para atender a demanda crescente.”
A empresária conta que a terceirização de algumas etapas de seus negócios é feita por meio de redes que agrupam profissionais negros. “Uma delas é a Kultafro. Hoje, 70% das minhas produções são feitas por profissionais e empreendedores negros. Adotamos o conceito americano Black Money, para fazer circular dinheiro dentro da comunidade negra.”
A diretora comercial da loja de bonecas Preta Pretinha, Joyce Venâncio, se inspirou em um sonho de infância para criar o negócio. “Quando minhas irmãs e eu éramos pequenas, queríamos ter bonecas negras e nossa avó fez bonecas com tecido marrom para nós”, diz Joyce. Em 2000, as irmãs se uniram para criar a loja que oferece, além de bonecas, brinquedos educativos, fantoches e bonecos de madeira.
“Não quisemos segregar produzindo só bonecas negras, elas são maioria, mas também temos orientais, muçulmanas, russas etc.” Joyce afirma que, com o tempo, viu que era necessário criar bonecas com enfoque na inclusão. “Hoje, temos bonecas cadeirantes, albinas e obesas, entre outras, que são muito usadas em aulas sobre inclusão.” Em 2010, elas também fundaram o Instituto Preta Pretinha, que promove oficinas e inclusão de pessoas carentes.