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O Brasil está na moda!

Existe uma moda genuinamente brasileira? A pergunta não é nova, mas é atual. Afinal, ainda não há consenso para tal questionamento e o fato de o Brasil ter deixado o posto de coadjuvante para ser alvo dos holofotes mundiais traz à tona reflexões sobre as possibilidades e potencialidades desta nação – entre elas, a moda.

Sétima economia mundial, o País teve seu status elevado ao ser escolhido como sede para os megaeventos esportivos que vêm por aí. A Copa do Mundo e as Olimpíadas, que serão realizadas em solo verde-amarelo, em 2014 e 2016, respectivamente, servem de catalisadores para um momento extremamente favorável para que a "Pátria Amada" mostre a sua cara.



FATORES HISTÓRICOS – A história do Brasil, contextualizada pela colonização europeia, a diferença de estações em relação ao Hemisfério Norte e a forte influência das passarelas e vitrines internacionais sobre as criações brasileiras são alguns dos fatores apontados pelo grupo que acredita que ainda é cedo para afirmar que a moda genuinamente “Made in Brazil” está estabelecida. Em contrapartida, há quem defenda que a originalidade inata do criador tupiniquim resulta em confecções, calçados e acessórios que constituem o fenômeno “moda brasileira”. Há, ainda, desdobramentos sobre o tema e as opiniões dividem-se em conceitos de identidade, lifestyle e mentes pensantes.

“Se existe uma moda feita aqui, já existe uma moda brasileira”, define João Braga, professor de História da Moda da FAAP (São Paulo/SP) e coautor do livro ‘História da Moda no Brasil: das influências às autorreferências’, entre outras obras acerca do tema. Segundo ele, o País é produtor de uma identidade própria, impulsionada pelo Plano Collor, que abriu o mercado nacional às importações no início dos anos 1990. Com a concorrência acirrada da moda que vinha de outros países, o estilista brasileiro precisou criar diferenciais para que seu produto agradasse ao consumidor e à imprensa. “Foi um momento crucial para aflorar a criatividade peculiar do brasileiro”, sinaliza, lembrando que, anos antes, em meados da década de 1970, a estilista Zuzu Angel já quebrava paradigmas com coleções de vestuário que misturavam rendas, estampas e temas do folclore nacional.

CRIAÇÕES SEM NACIONALIDADE – Na visão de Paulo Borges, CEO da Luminosidade (São Paulo/SP), produtora dos principais eventos da moda brasileira, como São Paulo Fashion Week e Fashion Rio, a identidade da moda não está relacionada à nacionalidade. “Não existe mais a moda francesa, a moda italiana, a moda americana, a moda inglesa. Existem ideias, e são elas que estão espalhadas pelo mundo. A globalização faz com que moda seja criação e não parte de um todo de algum país”, argumenta ele, exemplificando que a moda da Chanel não é feita só na França e a moda da Gucci não é feita só na Itália, mas sim no mundo inteiro, pois os fornecedores e a mão de obra estão distribuídos pelo globo.

LIFESTYLE – Para o renomado estilista brasileiro Walter Rodrigues, hoje coordenador do Núcleo de Design da Associação Brasileira de Empresas de Componentes para Couro, Calçados e Artefatos (Assintecal), o fenômeno “Made in Brazil” não existe. O que temos é um forte “lifestyle”, capaz de encantar quem vê nosso produto de moda. “Somos reconhecidos por nosso colorido, sensualidade e conforto. Nosso estilo mais conhecido pelo consumidor é o do segmento moda praia, até porque as praias brasileiras são destino de milhares de turistas estrangeiros. Percebo que os formadores de opinião do exterior nos vêem como exóticos e coloridos, apostando na particularidade que temos de misturar o artesanal em nossos produtos de moda”, acrescenta.

As mentes pensantes do setor calçadista estão instaladas aqui

Direcionando a questão para o segmento calçadista, outras constatações surgem. À frente do Museu Nacional do Calçado, Ida Thön, que também é professora de Design de Moda e Tecnologia do Centro Universitário Feevale (Novo Hamburgo/RS), acredita que o que temos, de fato, é um ‘criador’ brasileiro. “Mesmo que o sapato seja manufaturado na Índia, na China ou em qualquer outro país, as cabeças pensantes do segmento estão no Brasil. Nossos criadores são extremamente criativos e esse é o diferencial do ‘Made in Brazil’”, afirma.

Segundo ela, o criador brasileiro de calçados descende de uma revolução da indústria, provocada pela feira calçadista Fenac, que nasceu em 1963, em Novo Hamburgo. Até a década de 1960, a cartela de cores dos sapatos nacionais contava apenas com marrom, preto e branco. O início da Fenac acendeu a luz para uma nova era no setor. Em contato com os exportadores, os fabricantes daqui tiveram conhecimento da amplitude de possibilidades no design de acessórios.

BRASILIDADE QUE GANHOU O MUNDO – A Havaianas é referência de sucesso quando moda e brasilidade estão em pauta. Lançada em 1962 pela empresa Alpargatas (São Paulo/SP), a marca de sandálias construiu sua história visando representar o espírito espontâneo e alegre do povo brasileiro, inclusive internacionalmente. No mesmo ano em que estreou no mercado, começou a ser exportada para países da América do Sul. A partir do final da década de 1990, entraram na cartela de clientes pontos de venda da Europa e dos Estados Unidos, e, atualmente, a marca está presente em mais de 80 países. “A Havaianas se consolidou como mania internacional, sinônimo de alegria, descontração e, sobretudo, brasilidade. Com design simples e contemporâneo, as sandálias traduzem a espontaneidade e o colorido de nosso País”, diz o consultor de Comunicação e Mídia da empresa, Rui Porto.



A fabricante busca destacar a brasilidade também em anúncios e peças publicitárias multicoloridas, a exemplo da campanha global de 2013, que reforça que cada produto tem, em sua essência, a alegria, o estilo e a espontaneidade do povo tupiniquim.

Porto conta, também, que o modelo que leva a bandeira do Brasil está entre os campeões de vendas no exterior. “Em 1998, a Copa do Mundo de Futebol inspirou o lançamento das Havaianas Copa, com uma pequena bandeira do Brasil na tira. A expectativa de que a seleção ‘canarinho’ fosse campeã do mundial – grande aposta da Alpargatas – não se concretizou. Mas o modelo permaneceu em linha, passou a se chamar Havaianas Brasil e continua sendo um sucesso em todos os países até hoje”, comenta.

MODA FEMININA – No ano de 1994, o Grupo Paquetá (Sapiranga/RS) lançou uma nova linha de calçados e acessórios femininos de alta qualidade, tendo como objetivo uma marca de posicionamento mundial. Nascia, então, a Dumond, que em pouco tempo despertou o interesse do mercado internacional e soma, hoje, 33 lojas no exterior – grande parte delas no Oriente Médio.

A gerente de Marketing da marca, Deisi Pereira, relata que o público estrangeiro tem um interesse natural pelo Brasil, por sua cultura, alegria e belezas naturais. Explorando esses elementos em suas coleções, a Dumond tornou-se reconhecida por ser uma marca de moda brasileira contemporânea e a aceitação de seus produtos foi imediata, com notável preferência por modelagens coloridas e pelos saltos altos. As linhas destinadas aos demais países são as mesmas lançadas em território nacional. O mesmo acontece com as peças publicitárias. “A publicidade da Dumond sempre explora as cores e temas brasileiros e as campanhas usadas lá fora são exatamente as mesmas do Brasil. A única ressalva é o Oriente Médio, por restrições culturais às imagens femininas”, explica Deisi.

Do curtume à loja, entidades setoriais avaliam a questão

Produzir moda com identidade requer componentes diferenciados e autênticos. Essa ideia é compartilhada pelo Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB) por meio do incentivo ao desenvolvimento de couros com aspectos vibrantes, diversificados e sustentáveis. “Com esses atributos entregamos nossa essência: a autenticidade”, sintetiza o presidente-executivo do CICB, José Fernando Bello. O núcleo de Moda e Design da entidade define que não são as características folclóricas que retratam a identidade de moda de um país. Da mesma forma como não vemos quimonos nas coleções japonesas, os produtos brasileiros não devem se restringir a penas coloridas. Nossa moda é expressa pelo amplo repertório cultural do Brasil. “Quando se fala de identidade, temos de considerar os aspectos imateriais, criativos e que são de resposta cultural”, defende Bello.

NA ESTEIRA – Acessórios caracterizados por bandeiras, araras ou praias não devem prevalecer nas criações de uma moda genuinamente 'Made in Brazil'. “O calçado brasileiro possui uma história muita rica para contar, portanto, podemos fugir dos estereótipos”, alerta o coordenador de Projetos da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Cristiano Körbes. “O design é uma grande ferramenta para fugir do mainstream dominado pelas grandes marcas internacionais. E é essa consciência que a Abicalçados busca disseminar”, complementa.

NA VITRINE – Já a Associação Brasileira dos Lojistas de Artefatos e Calçados (Ablac) avalia que o varejo ainda tem uma ligação muito forte com a moda internacional adaptada ao Brasil, mas também vê crescer a procura por produtos que fogem aos padrões globais. “É expressivo o número de consumidoras que procuram por produtos de design ou cores que lhes permitam sair do lugar comum. Os lojistas também estão atentos às marcas que oferecem modelos inovadores.Quando identificam produtos com este perfil, adquirem e os colocam à venda, que quase sempre supera expectativas”, declara o presidente da Ablac, Antoniel Lordelo. Calçados com elementos visuais diretamente ligados à brasilidade destacam-se no ponto de venda quando há eventos de grande representatividade, como ocorrerá nos períodos de realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas.

Afinal, por que ainda copiamos tanto?

Se não há consenso sobre a existência de uma moda originalmente brasileira, a correlação entre a criação nacional e os lançamentos do Hemisfério Norte é ponto pacífico. “Essa sensação de dependência do que é lançado aqui em relação ao que a Europa apresenta em suas passarelas é uma questão histórica e cultural, que já começa pela imposição de que ‘eles’ é que estão à nossa frente no calendário. Poderia ser o contrário”, afirma o professor de História da Moda, João Braga.



Ele conta que em 1808, quando Dom João VI promulgou o decreto que abriu os portos do País ao comércio com as nações amigas, o conceito de que o que é importado é melhor começou a ser difundido. “O que o Brasil tinha a oferecer, em termos de vestimentas, era um algodão barato, usado para confeccionar a roupa dos escravos. O melhor vinha da Europa”. Mesmo depois de quase 300 anos, os fantasmas da colonização ainda assombram a indústria da moda.

“O mundo sempre terá suas inter-relações comerciais e culturais”, pontua o presidente- executivo do CICB, José Fernando Bello. Com consultoria do setor de Moda e Design da entidade, ele destaca que a quadrilha, dança folclórica característica das festas de São João em todo o País e mais evidente no Nordeste, tem suas origens antropológicas nas danças da corte francesa. “Estamos historicamente conectados com o mundo, não pela internet, mas pela cultura antropológica”, considera.

É fato que alguns países estão à frente em termos de design. Seus produtos são copiados por empresas de todo o mundo e disponibilizados aos consumidores com pequenas mudanças ou nenhuma adaptação. “O Brasil está inserido neste quadro, embora cada vez mais marcas busquem agregar aos seus produtos elementos próprios”, opina o presidente da Ablac, Antoniel Marrachine Lordelo.

O consultor Walter Rodrigues observa uma relação de dependência direta com o mercado europeu: “A moda feita aqui depende do exterior para tudo; forma, cor e materiais. É mais fácil fotografar uma vitrine internacional para criar uma coleção do que buscar entender os rumos do consumo”. E sugere que o ideal é manter uma relação equilibrada entre as tendências e a identidade própria da marca. “Ainda somos muito influenciados pelo que acontece no mundo. E não acho que isso seja errado. O que considero errado é que não há nenhum filtro, uma decodificação ou interpretação dos sinais para a nossa realidade”.

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